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terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Percursos 2

Durante nosso percurso com a Bienal do Mercosul, em novembro, conhecemos Sônia, uma ex-moradora da região do Beco dos Marianos (Morro Santana). Ela lembra emocionada da infância e da relação com as águas ao ser provacada pelos sons da água correndo entre pedras e chão de terra, pela paisagem do Arroio Dilúvio já menos canalizado.



Sônia é autora de um livro de poesias e textos sobre os arroios de Porto Alegre, obra que ela gentilmente disponibilizou para a nossa pesquisa e para alguns passageiros do percurso.

Segue abaixo trechos do livro “Águas correntes (Nossos arroios)” de Sônia Vieira.

"E o vento me leva ao arroio que ficava na frente da minha casa, lá, eu ainda menina pescava com meus irmãos. Deus! Como éramos felizes. Que sensação maravilhosa esta de pescar..."(Página 35).

"Neste momento estou enxergando os raios do sol iluminando parte das águas do meu arroio e aquela luz na areia grossa do seu fundo é maravilhosa e os peixinhos circulam faceiros." (Página 35).

"Nesses lugares a água parecia mais escura e não se enxergava o fundo. Ai ficava tudo mais misterioso. O que teria embaixo daquelas pedras? Imaginávamos cobras venenosas, monstros dos mais diversos. Era a parte mais emocionante da pescaria. Riamos muito, mas na verdade também o medo nos deixava palpitantes. É preciso que a saudade bata fundo no nosso coração e, só então, retornaremos áquele tempo, levados pelo vento, para vivenciarmos novamente aquela alegria contagiante de crianças brincando da forma mais saudável e pura possível, junto à natureza, junto à água que corre sem parar, como o tempo." (Página 36).

"Aquele arroio nos proporcionou muitas brincadeiras, além da pescaria. Brincávamos num pequeno barco de madeira, que sempre 'virava' e podíamos tomar aquele banho. Que maravilha! Que vida boa era aquela." (Página 36).

"Foi também nas águas deste arroio que minha avó, há muitos anos atrás, lavava a roupa dos seus onze filhos e lavava, também, a roupa de outras famílias para ajudar na renda familiar." (Página 36).

"Meu barco era cheio de alegrias, brincadeiras sem fim. A gente ria, ria... Até se mijar de tanto rir." (Página 38).

"As águas daquele arroio corriam sem parar sobre pedras por onde passávamos sempre pulando, uma a uma. Como era bom quando escorregávamos, era um banho maravilhoso, feliz, mais molhado não poderia ser, e o mais importante, justificado. Afinal, foi um escorregão onde poderíamos até nos machucar. Eta vida bem boa. Não sei por que passamos anos pulando sobre as pedras e ninguém teve a idéia de fazer uma pinguela sequer. Ainda bem, não teria sido tão interessante." (Página 47).

"O arroio da minha infância

Aquela água sempre corria,
corria para a mesma direção,
as vezes queria inverter.
Queria ir até sua nascente
Dizem que lá tem um olho
Um olho de água
Que grande deve ser esse olho,
olha tudo." (Página 62).

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Percursos 1



Apresentamos as primeiras imagens produzidas durante o Projeto Percursos Urbanos, num percurso pelo Arroio Dilúvio, numa parceria entre o Habitantes do Arroio e a Bienal do Mercosul. Além do vídeo produzido pela equipe do projeto na Ponte de Pedra da Praça Açorianos, seguem as imagens enviadas por Tadeu Fernando Peters Dornelles que participou do percurso:


sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Surf no Dilúvio


Após o temporal que atingiu Porto Alegre na última quinta-feira, uma notícia inusitada se espalhou pelos sites de vídeos, blogs e agências de notícia do mundo todo, mostrando a iniciativa do publicitário Ricardo Dullius e de seus amigos Nelson Pinto, Juliano Didonet e Mark Daniel de aproveitar a enxurrada no Arroio Dilúvio para a prática do Surf. De todos os conflitos de uso e projetos para o Arroio, a sua utilização para o surf e como estratégia de mídia foi de longe a menos esperada de nossa pesquisa...




Conforme descrito no site http://www.aisimhein.com.br/esportes/surf-na-enchente/

"eles esperaram bastante tempo pelas condições certas. Disseram que é uma combinação de muita chuva em um curto espaço de tempo que faz o dilúvio ser surfável.

A ação só envolveu os quatro amigos.Mas muitos passantes registraram o fato. Dullius declarou em seu Twitter: ¨ Fazer algo que nunca foi feito gera uma sensação que nunca foi sentida e completamente indescritível. ¨
Sobre os boatos de a função ter sido uma ação promocional, eles disseram que sabiam que ia gerar muita mídia espontânea e que aproveitaram para divulgar as marcas deles a BOAT camisetas, a Resting Bird e de Pranchas Roots Corp."


sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Acompanhe em detalhes o percurso de ontem!



O percurso pelo Arroio Dilúvio em parceria com a Bienal do Mercosul foi um sucesso. Gostaríamos de agradecer a todos que participaram conosco desta comunidade ética que começa a ganhar corpo. Ficamos muito contentes com a participação de tantas pessoas interessadas na temática ambiental, na memória ambiental, na bacia do Arroio Dilúvio. Aguardem a postagem dos vídeos que registramos durante o percurso. Hoje é possível acompanhar todo o histórico do percurso, com comentários online de leitores, no site da ZH.com que esteve conosco ontem:

http://zerohora.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default.jsp?uf=1&local=1&section=Geral&newsID=a2708204.xml


Muitas pessoas estão pedindo para repetirmos o percurso, faremos mais apresentações do projeto no primeiro semestre de 2010. Acompanhem pelo blog!

um abraço

Rafael.

Obs: as fotografias postadas nesta mensagem foram produzidas por ZH.com, obtidas no link indicado

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Habitantes do Arroio no Projeto Percusos Urbanos da Bienal do Mercosul:



Participe de um percurso guiado pela equipe da pesquisa, em um ônibus do Projeto Percursos, da 7ª Bienal do Mercosul, com o artista Julio Lira.

O percurso é aberto ao público, com vagas limitadas.
Inscrições antecipadas: ligue para (51) 3254 7545 ou escreva para julia@bienalmercosul.art.br

Confira o roteiro:

Data: 05 de novembro de 2009 - Horário: 15:00hs às 18:30hs
Saída: Armazém A3 do Cais do Porto – Bienal do Mercosul (chegar às 14:45hs para inscrição no ônibus)

Concepção: Visita guiada pela sub-bacia do Arroio Dilúvio, em Porto Alegre, com o objetivo de que o público alvo conheça as imagens produzidas pelo projeto habitantes do arroio, as imagens antigas da paisagem da cidade relacionada ao arroio, as informações sobre saneamento e a dinâmica ambiental da bacia, e as discussões contemporâneas sobre novos modelos de saneamento e urbanização de arroios. Como parte do percurso, sugere-se que os próprios participantes produzam suas imagens em vídeo ou fotografia (equipamento a ser disponibilizado pela Bienal) do percurso ou dos pontos de parada, e que as mesmas sejam enviadas, junto com textos de sua autoria, para compor novas postagens no blog do projeto. O material poderá ser enviado para o blog do projeto através do email - habitantesdoarroio.leitor@blogger.com

A equipe do projeto também fará o seu registro do percurso para compor outras postagens para o blog.

ROTEIRO DO PERCURSO

15hs – 1 - CAIS DO PORTO
Preparação: Conversa inicial na Bienal do Mercosul apresentando o projeto, a equipe e a proposta do percurso – investigar o Arroio Dilúvio como Paisagem Urbana – possibilidades e cotidiano de uso (lazer, transporte, moradia, saneamento), memórias e projetos. Proposta dos passageiros exercitarem a produção de imagens pela observação participante como técnica de pesquisa etnográfica. As imagens podem ser enviadas para o blog do projeto com textos, comentários, etc. Duração: 15min.

Trajeto 1 – Avenida Mauá / Av. Pres. João Goulart (Passaremos pela ponta da cadeia – obras do Socioambiental)/ Av. Loureiro da Silva (retorno pela Av. Augusto de Carvalho, estacionamento na Rua Washington Luís).

15:30h - Parada 1 – Praça dos Açorianos / Ponte de Pedra
Tempo de parada 15min.
Exibição de vídeo sobre a Ponte de Pedra (3min.) Caminhada pela ponte de pedra, produção de imagens
Voltando para o ônibus, assistir ao vídeo com morador da Travessa Pesqueiro – Sr. José

15:50 - Trajeto 2 - Av. Loureiro da Silva / Av. José do Patrocínio / Rua Venâncio Aires / Av. Érico Veríssimo / Rua Venâncio Aires / Rua João Alfredo / Rua da República / Rua Baronesa do Gravataí / Av. Aureliano de Figueiredo Pinto / Travessa Pesqueiro/ Av. Luis Guaranha / Av. Praia de Belas / Avenida Ipiranga (direção oposta ao Lago Guaíba) / Ponte Av. João Pessoa
Enquanto o ônibus anda, mostraremos vídeos com fotos antigas.

16:10hs - Ponto de Parada 2 – Ponte na Avenida João Pessoa. (ônibus estaciona na João Pessoa, ou entra pela Rua Luiz Manoel atrás do Colégio Julinho e para num Posto de Gasolina na Av. Ipiranga, entrando pela Rua Del Grant).
Antes de sair do ônibus, assistimos ao vídeo com entrevista com Sr. LEOPOLDINO sobre a canalização do arroio.
Caminhada até a Ponte da Av. João Pessoa. Descida nos degraus da ponte para olhar o Arroio de Baixo. Produção de Imagens. Retorno ao ônibus. Tempo de parada 30min.

16:40 - Trajeto 3 – Av. Ipiranga retorno pela Ponte da Azenha/ volta pelo lado direito / segue pela Av. Ipiranga, passa PUC/ Parada num Posto de Gasolina BR depois do Detran (imediações da Av. Joaquim Porto Vilanova)
Enquanto o ônibus anda passamos vídeos da paisagem do arroio – animais, afluentes, trânsito

17:00hs Ponto de Parada 3 – Descida no talude do Arroio Dilúvio, caminhada pela lateral do arroio. Opção de subir na ponte de madeira ou descer até o nível do arroio. Tempo de parada 15min
Na saída projeção do vídeo com o Engenheiro Sanitarista Paulo Paim (DRH-SEMA/RS) - urbanização de arroios.

Se tivermos tempo: - Trajeto 4 – Av. Ipiranga lado direito / direção Av. Bento Gonçalves / UFRGS, Anel Viário do Campus do Vale da UFRGS / Ponte da Barragem / Saída na Av. Salgado Filho (Viamão) em frente a Vila Herdeiros – (Mostrar video Arroio Sem Nome) – Av. Bento Gonçalves

17:20 - Trajeto 5 - Av. Ipiranga / Av. Bento Gonçalves / Rua Beco dos Marianos

17:40 - Ponto de Parada 4 – Rua Beco dos Marianos / Rua 1 - observação do arroio, conversa com moradores que passam. Escuta do arroio. Tempo de parada 15min. No ônibus, vídeo com obras do DMAE no Beco dos Marianos

18:00hs - Trajeto 6 – Rua Beco dos Marianos / Av. Ipiranga (direção centro) / Av. Edvaldo Pereira Paiva (Foz do Dilúvio – Anfiteatro Pôr-do-Sol)

18:30hs - Ponto de Parada 5 – Anfiteatro Pôr-do-Sol – Foz do Arroio Dilúvio. Encerramento do percurso – observação da foz e do Lago Guaíba, - conversas finais com os participantes.

Mapa do Percurso:



Visualizar Percurso na Bienal Projeto Habitantes do Arroio em um mapa maior

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Estação de Bombeamento Ponta da Cadeia

Estas narrativas audiovisuais (crônicas) foram elaboradas com material recolhido em saída de campo realizada em 26/08/2009 na Estação de Bombeamento Ponta da Cadeia, onde estavam presentes Maria de Lourdes Wolf do departamento de comunicação social - DMAE e o Engenheiro Waldir Flores - DMAE. Nesta ocasião, nós da equipe do Projeto Habitantes do Arroio tivemos a oportunidade de conhecer e compreender, não somente, o Projeto Socioambiental, como também a realidade cotidiana do DMAE – Departamento de Água e Esgoto.

Por meio de entrevista, o Engenheiro Waldir Flores nos conta sobre os projetos em andamento, bem como a realidade enfrentada diariamente pelo departamento.

O que é o Socioambiental? De que maneira ele beneficiará o Arroio Dilúvio e a Cidade de Porto Alegre? Como ocorre a abordagem realizada pelo DMAE? De que forma esta é recebida pelos moradores? Estas são apenas algumas das muitas questões que foram elucidadas durante esta entrevista, e que são abordadas nas crônicas que seguem abaixo.




quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Do outro lado da Ponte de Pedra

A Ponte de Pedra, o Pão dos Pobres e o Riacho.
Fonte: Museu Municipal Joaquim José Felizardo.
Autor e data desconhecidos

Quem contempla a atual Ponte de Pedra, na Praça dos Açorianos, pode imaginar o antigo braço do Riacho que conduzia as águas do Dilúvio até o Lago/Rio Guaíba (que naquela época era muito mais rio do que lago). Mas a dúvida sempre fica sobre o que havia no outro lado da ponte, já que na margem do centro existia a famosa Praia do Riacho, que já descrevemos em outra postagem:

http://habitantesdoarroio.blogspot.com/2009/02/as-paragens-do-riacho.html




Nesta entrevista que apresentamos aqui, Célia Souza Machado nos conta suas lembranças da infância, quando ajudava o pai a vender ca
rvão na ponte de pedra, em meados dos anos 1940/1950. Essa entrevista foi gravada no contexto de produção do documentário Arqueologias Urbanas: Memórias do Mundo, que foi financiado pelo FUMPROARTE em 1997, tendo sido dirigido por Ana Luiza Carvalho da Rocha e Maria Henriqueta Creydi Satt. O documentário investiga a memória da cidade de Porto Alegre a partir das trajetórias e estórias de trabalhadores do Mercado Público e seu entorno. Célia conta no documentário suas memórias das águas, tendo sido esposa de marinheiro e tendo trabalhado nos bares e restaurantes da região do Mercado e do Cais do Porto que atendiam a esta população embarcada. Mas sua memória começa justamente embarcada nas águas do riacho, que aparece como um caminho possível para os portoalegrenses surgidos de outras paragens, como a família de Célia, oriunda da região das Charqueadas, no RS.

No relato de Célia se confirma uma imagem diferente da atual paisagem da cidade. Os usos da ponte e do riacho que corria sob ela davam a essa região um ar de “fundos” da cidade, em relação a sua área comercial em torno do Cais e do Mercado Público. A cidade parecia acabar ali, exatamente onde se expressava a separação entre a Cidade Alta (os casarões da Av. Duque de Caxias) e a Cidade Baixa com suas moradas populares. Uma relação que se alterou com os aterros, a construção da Av. Borges de Medeiros e o avanço da cidade em direção à Zona Sul. As imagens que compõe a crônica foram produzidas igualmente para o documentário Memórias do Mundo, que pode ser encontrado no Banco de Imagens e Efeitos Visuais (BIEV) junto ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da UFRGS: www.biev.ufrgs.br

Arqueologias Urbanas - Memórias do Mundo
Direção: Ana Luiza Carvalho da Rocha e Maria Henriqueta Creydi Satt
Direção de Fotografia: Sadi Breda
Financiamento: FUMPROARTE - 1997


quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Apresentação do Projeto Habitantes do Arroio


Confira a agenda de apresentações do Projeto Habitantes do Arroio:

. Feira de Iniciação Científica - UFRGS
Dia 20/10/2009
das 14hs às 18hs
Reitoria da UFRGS - (Av. Paulo Gama 110 - Porto Alegre)
entrada livre

. Memória da Águas - Mostra de vídeos do projeto "Habitantes do Arroio" no Museu Hipólito da Costa
Dia 20/10/2009
das 18hs às 20hs
Auditório do Museu de Comunicação Hipólito da Costa
Rua dos Andradas, 959
entrada livre

compareça!

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

O caso do Beco dos Marianos

Segue abaixo uma síntese da pesquisa de campo que está sendo realizada pela bolsista de Iniciação Tecnológica Industrial Renata Ribeiro, na região da Rua Beco dos Marianos, localizada no Morro Santana e que contempla parte de uma das ações do “Projeto Habitantes do Arroio”, financiado pelo CNPq. Esta pesquisa será apresentada na Feira de Iniciação Científica da UFRGS, a realizar-se no dia 20 de outubro de 2009, na Reitoria da UFRGS, Campus Central, Paulo Gama nº110, das 13 às 18hs. Contamos com a sua presença.

O Projeto Habitantes do Arroio vem sendo realizado desde janeiro de 2009, e tem como principais objetivos disseminar entre grupos urbanos e instituições locais, informações técnicas e científicas a respeito dos recursos hídricos, da bacia hidrográfica do Lago Guaíba e da microbacia do Arroio Dilúvio, a partir da construção de narrativas audiovisuais (que são postados no blog do projeto), referentes aos desafios e aos impactos ambientais, econômicos e sociais implicados na destinação adequada e no tratamento de esgotos.
Rua João Alfredo (antiga Rua da Margem). Autor: Luna Carvalho.

Memórias do antgo riacho na Cidade Baixa:

Com a finalidade de fazer uma primeira aproximação com objeto da pesquisa, iniciei as minhas saídas a campo, no dia 24/04/2009, na região da Cidade Baixa, local onde Luna, minha colega, desenvolve seu estudo. Durante a etnografia de rua procurei descobrir os vários lugares por onde outrora corriam as águas do riacho (o dilúvio antes das obras) – rememorando o seu percurso. Constatei que aquela região guarda muitos causos referentes às enchentes, à cultura carnavalesca e quilombola da cidade, uma importante contribuição para a reconstrução da memória ambiental daquela região e de Porto Alegre.

Rua Beco dos Marianos vista do alto do Morro Snatana. Autor: Renata Ribeiro.

A Comunidade “CEEE”:
http://habitantesdoarroio.blogspot.com/2009/07/comunidade-da-ceee_6311.html

Familiarizada com esta área onde antigamente passava o arroio Dilúvio, iniciei meu trabalho de campo no extremo oposto, ou seja, na região do Beco dos Marianos, localizada no Morro Santana, dividido pelos Bairros Jardim Carvalho e Agronomia. Minhas primeiras saídas a campo foram guiadas pelo intuito de descobrir a forma com que os moradores daquela região do Morro Santana se autodenominavam: sentiam-se realmente moradores do Beco dos Marianos? Ou para eles esta era apenas uma rua, como outra qualquer, no mapa da cidade.

Durante este estudo, procurei resgatar, por meio dos relatos dos moradores desta localidade, fragmentos de suas memórias que pudessem elucidar as seguintes questões: Como e quando ocorreu a ocupação e urbanização do Morro Santana? De que forma surgiu a comunidade que ocupa este espaço? O sentimento de pertença dos moradores desta comunidade é latente? Além de buscar as respostas para estas e outras perguntas, tenho buscado compreender a diversidade sócio-cultural relativa à combinação entre o rural e o urbano neste espaço.

Ao longo de minha etnografia conheci Anderson, um jovem bastante pobre, de 21 anos de idade – antigo morador do Morro Santana. Este rapaz é quem, no primeiro momento, elucida minha etnografia, pois me fez saber que a região do Beco dos Marianos é denominada de “CEEE” pelos moradores, em virtude da existência de uma subestação da companhia elétrica, no alto do Morro Santana. Além disso, também contou que a rua considerada a mais importante, pelos moradores daquela região, é a Atenas e não a Beco dos Marianos, como nós pesquisadores pensávamos. Se tu pedir para o cobrador te avisar qual é a parada da Atenas, ele vai saber. Agora se tu perguntar por qualquer outra rua daqui, ele não vai saber – disse-me. Anderson também falou do porquê, na visão dele, de tanto lixo no arroio. As pessoas não querem mais e atiram lá.

Na medida em que me familiarizava com aquele espaço denominado “CEEE”, eu ia me sentindo mais segura para subir o extenso aclive da Rua Beco dos Marianos. Na primeira ocasião em que estive no alto do morro, tive a feliz oportunidade de conhecer o Sr. Joyne, um homem de 53 anos de idade, de origem alemã e polonesa, residente no Morro Santana desde que nasceu.

Este homem foi quem me falou sobre ocupação daquele local cujo auge foi nos anos 70, com a construção da subestação da CEEE. As primeiras pessoas foram retiradas por oficiais de justiça, disse-me. Além disso, também me falou da relação perturbada que a comunidade mantém com o DMAE, em função dos vazamentos de água que não são prontamente estancados.

Tendo em vista as suas interessantes colocações e a boa aproximação que obtive com este senhor, a equipe do projeto decidiu realizar uma entrevista com ele. Para que esta fosse bem sucedida e para que todos da equipe estivessem a par de tudo, desenvolvi um roteiro, bem como um mapa para nos situarmos melhor no local.

Meu objetivo nesta entrevista era trazer para o tempo do mundo fragmentos de suas lembranças referentes ao Morro Santana e ao seu processo de ocupação, bem como da memória ambiental daquele espaço. Para que isso acontecesse de forma natural foi necessário que o provocássemos a expor a sua singular trajetória social e seus itinerários urbanos. Para que, por meio de sua história de vida, tivéssemos a oportunidade de conhecer e compreender muitas coisas relacionadas ao Arroio Dilúvio.

Em outra oportunidade de saída a campo, ao chegar ao pé do Morro Santana, deparei-me com o desenvolvimento de uma obra realizada pelo DMAE na Rua 1 (Um). Ao descobrir a importância desta e ao ouvir os relatos dos trabalhadores, a equipe do projeto decidiu realizar uma filmagem com eles. Esta gravação nos rendeu uma crônica (narrativa audiovisual), com relatos de pessoas que conheciam uma outra cidade: a Porto Alegre subterrânea.

Obras de Instalação de Interceptores na Rua 1 (Um), Bairro Agronomia. Autor: Renata Ribeiro.

Rede de Interceptores do Arroio Dilúvio:
http://habitantesdoarroio.blogspot.com/2009/08/produzimos-este-video-quando-retornamos.html

Ao realizar minha etnografia de rua, por diversas vezes deparei-me com informantes que presenciaram os mesmos acontecimentos; contudo, eles relembraram partes diferentes destes, possivelmente aquilo que mais lhes marcou individualmente. Justamente por isso procurei resgatar, de cada um deles, fragmentos de suas lembranças, instigando-os a pontuarem suas recordações do tempo subjetivo no tempo do mundo. Para que depois eu pudesse unir essas partes e então localizar “as raízes do presente, em solo do passado”.

Foi-me possível perceber que aquela comunidade alimenta costumes rurais, como: a criação de cavalos, galinhas, gansos e o cultivo de pequenas hortas. Por meio de alguns relatos constatei inclusive que alguns nativos da comunidade “CEEE” vieram da zona rural, para o Morro Santana, em busca de oportunidades para uma vida melhor.

Criança e animais em meio a Rua Beco dos Marianos. Autor: Renata Ribeiro.

Como as aprendizagens das tecnologias perpassam a minha etnografia?

Concomitantemente ao desenvolvimento deste trabalho de pesquisa, eu e a equipe do projeto produzimos, por meio do tratamento documental dos dados recolhidos em campo (fotografia e vídeo), narrativas audiovisuais, crônicas, que foram postadas no blog, onde também há nossos diários de campo e as primeiras conclusões quanto à pesquisa.

O processo de construção destas crônicas iniciou-se pela filmagem previamente roteirizada. Por meio de um programa instalado nos computadores do BIEV e do Instituto Anthropos, a equipe do projeto dividiu as filmagens em episódios que passaram por um processo de catalogação, onde receberam nomes e comentários técnicos quanto à imagem e som. Em seguida, escolhemos e marcamos em cada episódio, os momentos mais importantes. Depois de todo este processo tecnológico de construção das narrativas audiovisuais, a equipe do Projeto Habitantes do Arroio postou estas crônicas, junto a diários de campo e prévias conclusões da pesquisa, no blog do projeto, com o intuito de possibilitar a interatividade entre o pesquisador, o pesquisado e todos aqueles que estejam dispostos a contribuir com seus relatos e críticas, bem como aos que estão em busca de conhecimento a respeito do Arroio Dilúvio.

Quanto a minha etnografia, as conclusões mais recentes postadas no Blog são as seguintes: a região da Rua Beco dos Marianos, no Morro Santana, dividida pelos bairros Agronomia e Jardim Carvalho esconde uma parte da Avenida Ipiranga menos urbanizada e pavimentada, denominada Rua 1 (Um), além de outras pequenas travessas, becos e ruas, que juntas formam a Comunidade “CEEE”.

Este é o espaço que tenho estudado e tentado compreender, cuja ocupação tumultuada teve seu início na década de 70. Hoje os residentes deste local consideram-se pertencentes à “CEEE”. Averigüei também que uma parcela significativa deles veio da zona rural do Estado em busca de novas oportunidades. Em virtude disso o estilo de vida predominante neste espaço pode-se dizer que é formado por uma combinação de costumes rurais e urbanos. Além disso, segundo meus informantes residentes mais antigos do Morro Santana, quando chegaram ali, o arroio já se encontrava poluído. Contudo, ainda era possível pescar.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Para onde vai o esgoto da sua casa?


Fizemos esta saída de campo com a equipe do Programa “Esgoto Certo” do Departamento Municipal de Água e Esgotos – DMAE – da Prefeitura de Porto Alegre. O Engenheiro Alessandro, o técnico Clovis e sua equipe apresentam os desafios cotidianos do programa que percorre as ruas da cidade, investigando as conexões entre residências, galerias pluviais, redes de esgoto cloacal, “puxadinhos”, “arremates”, ligações e entupimentos da dinâmica hídrica subterrânea da cidade.


Entendendo o esgoto “certo”

Esgoto pluvial – é a rede de galerias, encanamentos, e arroios (canalizados ou não) que escoam a água da chuva, que contribuem para a boa irrigação do solo, evitando alagamentos, erosão, etc. Ligam-se à residência para escoar a água recolhida nas calhas, nos bueiros, escoadouros, nos gramados, etc.

Esgoto cloacal – é a rede de galerias, encanamentos, que têm a função de levar o esgoto doméstico (das pias, dos vasos sanitários, do ralo do chuveiro) para um sistema de tratamento. Atualmente, o esgoto doméstico que corre ao lado do Dilúvio, na rede cloacal, apesar de ser separado do esgoto pluvial, ainda é lançado no Lago Guaíba, mesmo passando por um primeiro tratamento. Com os novos projetos que envolvem o Programa Socioambiental, o esgoto doméstico será levado até as estações de tratamento na Zona Sul da cidade.
(para mais detalhes, veja a postagem no blog sobre o programa Socioambiental)


Certo e errado na cidadania ambiental

Embora o diagnóstico necessário do esgoto “certo” ou “errado” seja importante do ponto de vista técnico, ele se desdobra em outro procedimento do ponto de vista dos usos cotidianos da água. É a confusão entre os diferentes “saneamentos” em jogo que abre espaço para o entendimento da realidade do ponto de vista socioambiental. Não é uma questão moral que está em jogo na destinação correta dos esgotos (certo ou errado), mas sim uma adesão a uma ética de cidadania ambiental. Do ponto de vista do morador, o esgoto poderia ser simplesmente a água “servida” que ele precisa enviar para fora do seu espaço doméstico. Nossa cultura ocidental elaborou, em um longo processo civilizatório, tecnologias como o próprio sistema de saneamento para retirar da paisagem urbana, remover das preocupações cotidianas, a sujeira. Quem gosta de pensar em sujeira? Quem conversa sobre ela?

A separação entre pluvial e doméstico já diz respeito à compreensão de um sistema de saneamento que pensa os esgotos não mais “fora” do espaço habitado, mas dentro do seu espaço, e de forma constante no tempo – na confluência dos muitos encanamentos que partem de realidades diversas, e que geram, no seu conjunto, um impacto significativo, diário. No espaço público, é responsabilidade dos órgãos governamentais a manutenção (e muitas vezes a instalação) deste sistema. Mas este não é um sistema independente das práticas cotidianas. No espaço doméstico, a responsabilidade de ligar seu saneamento “interno” (os banheiros, os encanamentos, as calhas, etc) a este sistema é do proprietário do imóvel – o que nem sempre condiz com o real usuário da água nesta propriedade (morador que aluga o imóvel, usos comerciais, serviços, etc), nem mesmo com as pessoas encarregadas dos reparos e novas construções no terreno, que muitas vezes modificam ou ampliam as redes internas de saneamento. A compreensão da lógica deste sistema não é o resultado de uma explicação, mas da negociação entre o morador/usuário e os técnicos do Esgoto Certo, que muitas vezes são chamados pelos próprios moradores para resolver problemas de obstrução dos encanamentos, vazamentos, etc. Embora sejam importantes os recursos tecnológicos (os corantes, a microcamera) na descoberta da destinação da água do vaso sanitário, é o contato entre o técnico e o morador que acaba transpondo alguns conceitos de saneamento em um processo de negociação da realidade, em que esses novos limites e caminhos das águas subterrâneas passam a ser imaginados, novas fronteiras entre o espaço público (a rua) e o espaço habitado (a casa), podem ser elaboradas na confluência das águas.

Evidentemente, há casos em que esse diálogo não é possível. Quando esse diálogo não dá resultado, já é outro o dispositivo necessário, o dispositivo legal – multas, processos, etc. E há casos em que nem mesmo é possível o esgoto “certo” – na ausência de infra-estrutura sanitária, como fazer a inclusão do morador em um processo de direitos e responsabilidades, na ética ambiental?

Rafael Devos

terça-feira, 15 de setembro de 2009

O caos cíclico das águas

Algumas idéias sobre as enchentes nos centros urbanos brasileiros. Compartilhamos com o leitor o do blog o artigo de José de Souza Martins:

O CAOS CíCLICO DAS ÁGUAS
José de Souza Martins*


Publicado em O Estado de S. Paulo

[Caderno Aliás, A Semana Revista],
domingo, 13 de setembro de 2009, p. J7

Benedito Calixto, “Enchente da Várzea do Carmo”, 1892 (detalhe)

O caos de terça-feira na região metropolitana de São Paulo, associado à chuva intensa e demorada, não precisa de culpados para ser explicado. Numa cidade que é uma das grandes obras da modernidade, é mais apropriado buscar as causas. Já se sabe muito sobre as causas incivilizadas do caos urbano, sobretudo as causas das enchentes e dos alagamentos, que está no desmatamento, na impermeabilização do solo, no lixo jogado nas ruas e até nos rios. E também as causas dos escorregamentos, que está na ocupação de terrenos impróprios e inseguros, vulneráveis a chuvas intensas, cujas consequências são a queda de casas e a morte de moradores. A cidade há mais de 200 anos briga com a natureza e vem perdendo a briga todos os dias por falta de discernimento político para enfrentar os responsáveis pelos descuidos, os que agem motivados pela precedência de seus interesses privados em relação ao interesse público.


Basta começar por uma olhada na história das águas na região metropolitana de São Paulo para saber que tudo isso vem de longe. Pela época da proclamação da Independência, devido à ocorrência de enchentes na Várzea do Carmo, um engenheiro militar foi designado para medir a profundidade do rio Tamanduateí desde São Caetano até sua foz no Tietê e constatou variações enormes que afetavam a regularidade de suas águas. O desmatamento e a ocupação inadequada das margens matavam o rio navegável. Pouco depois, a retificação do Tamanduateí, na área que é hoje o Parque Dom Pedro II, acentuou a ocorrência de enchentes. De uma delas, a de 1892, deixou Benedito Calixto o testemunho panorâmico do belo quadro, hoje no Museu Paulista: “Enchente da Várzea do Carmo”. Por essa época cogitou a Câmara de construir o nosso primeiro piscinão de contenção de águas, na foz do Rio dos Meninos, em São Caetano. E ficou nisso.

Com a Lei de Terras de 1850 e a alteração do regime fundiário brasileiro, surgiram na cidade modalidades de delinqüência imobiliária, na ocupação imprópria e até indevida de terras, sem nenhum respeito às carências da natureza. Sobretudo, especuladores apropriando- se do que não era seu, em nome do ganho fácil, em terras até então consideradas comunais e reservadas ao bem público. Grandes empresas se envolveram na mutilação da natureza, o que nos penaliza até hoje. No delta do Rio dos Meninos, uma fábrica aterrou um dos braços do rio, para ocupar o terreno, deixou para as águas o canal mais largo, sem alargá-lo para compensar o canal que lhe fora roubado. Até hoje aquele é um dos graves pontos de alagamento da metrópole.

Pior foi o que ocorreu com o Rio Tietê, como mostrou Odette Seabra, da USP, em sua tese sobre “Os Meandros do Rio nos Meandros do Poder”. A Light, em contrato com o governo, obteve o direito de retificar o rio para regularizar o fluxo das águas e beneficiar sua hidrelétrica rio abaixo. Recebeu a recompensa do direito às terras beneficiadas, com ressalva sobre as particulares, cujos proprietários teriam, porém, que indenizá-la pelos benefícios. Após anos de litígios, adquiriu finalmente o direito de revendê-las, o que as inundou de construções a partir dos anos 1950. O problema é que esqueceram de consultar o rio, para saber se ele estava de acordo, e o rio, periodicamente, cobra de volta o seu espaço, inundando ruas e casas.

Um dos melhores teóricos da espacialidade urbana, o sociólogo e filósofo francês Henri Lefebvre, já havia chamado a atenção para a construção da natureza segunda, a natureza produzida, intimamente associada à expansão urbana. Aqui, não houve a construção da natureza segunda com base em pressupostos sociais. Houve apenas a predação da natureza primeira, movida pelos propósitos antissociais da especulação imobiliária, que inunda a cidade com o lixo do crescimento destrutivo. Aqui, adotou-se o pressuposto do barato que sai caro nos planos urbanos que fazem mais concessões à prancheta dos técnicos do que às exigências da natureza, o pressuposto da natureza adormecida para não pagar o preço do que a natureza efetivamente é. O pressuposto de “os outros que se danem”.

O caos de terça foi dramático também porque os paulistanos destes tempos foram reeducados para a pressa, atiçados por equipamentos e tecnologias que aparentemente nos tornam rápidos. Surgiu a impaciente cultura do segundo, em que o minuto parece demora excessiva para baixar uma mensagem de computador, para ouvir um recado, para tomar uma decisão. Aqui se esqueceu que a eficácia dessa cultura da urgência, para não ser postiça, como tem sido, deveria abranger uma infraestrutura protetiva que a tornaria possível e lhe daria sentido. Não tem sentido se basta um temporal para anulá-la.

A irracionalidade não ficou por aí. Uma parte do sistema de comunicação telefônica entrou em colapso naquele dia, porque é irrealisticamente regulado pela falsa suposição de que a natureza não é personagem coadjuvante de nossa vida urbana. Qualquer chuva os telefones calam. Serviços de socorro em situações de catástrofe, como o Corpo de Bombeiros e o Resgate, não podiam ser acionados pois os telefones não funcionavam. Teve gente que ficou sem comer porque não podia usar cartão de crédito para pagar a conta.

Poucos tiveram paciência para prestar atenção num fato do maior relevo que costuma acontecer com a circulação de veículos nos momentos de caos urbano, cessação de funcionamento de semáforos, lentidão. A reinvenção provisória e substitutiva das regras de trânsito. Os motoristas tentando interagir uns com os outros, o que raramente fazem, mediante sinais de cabeça, pequenas movimentações do carro, curtos toques de buzina, estabeleceram regras de alternância nos cruzamentos, abertura de preferencial para ambulâncias, paciência com os impacientes. Na supressão súbita de regras, no caos, as pessoas voltam ao zero e criam novas regras. Como as aranhas que tecem novamente a sua teia. Elas reinventam a sociedade, a sociedade temporária do caos. O problema é que o caos se repete e já não incomoda.

* José de Souza Martins é Professor Emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Dentre outros livros, autor de A Aparição do Demônio na Fábrica (Origens sociais do Eu dividido no subúrbio operário), Editora 34, São Paulo, 2008.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

O destino da Lomba do Asseio


No que a pesquisa sobre a memória ambiental urbana pode ajudar na compreensão da polêmica da ocupação da orla? A forma como entendemos a trajetória dessa relação da cidade com sua orla reflete nos projetos para o futuro dessa relação. A transformação desse lugar encontra ecos na própria memória da canalização do Arroio Dilúvio - que fez surgir uma área muita valorizada onde havia um “vazio” na cidade, a Avenida Ipiranga.

Dia 23 de agosto de 2009 ocorre mais um capítulo das transformações na orla de Porto Alegre. Um votação coloca em jogo o destino da “Ponta do Melo”, do “Pontal do Estaleiro”, da “Lomba do Asseio”. Um lugar que até pouco tempo atrás parecia não ter a menor importância no cotidiano da cidade, é agora um território polêmico.

O local onde se projeta erguer o empreendimento “Pontal do Estaleiro” sobre as ruínas do Estaleiro Só S.A. é descrito como um local abandonado pela cidade, esquecido, perigoso até. Uma descrição que convence, se tudo que sabemos dele é o que se pode observar ao contemplar o mato tomando conta do lugar, os restos da antiga ocupação. Mas essa é uma imagem bem elaborada, uma ruína é tão produto da ação humana quanto uma construção. A imagem de abandono do local, o vazio que se cria neste canto da orla é uma jogada clássica do modelo de ocupação urbana brasileiro, como demonstram inúmeros estudos sobre o assunto – o poder público investe na dotação de infra-estrutura de saneamento, estrutura viária, e então, em um curto espaço de tempo, terrenos se valorizam imensamente, grandes empreendimentos se viabilizam.

Em 1888 essa ponta ganhou o nome de “Ponta do Melo” em função da propriedade que ali existia e que não incluía a orla. A beira do Guaíba era uma área pública de terras marinhas. Naquele local, no início do século XX foi construído um trapiche para o despejo dos cubos, dos cabungos, com dejetos recolhidos das casas de famílias da cidade. Uma estrada de ferro foi feita para levar o esgoto doméstico da cidade até o trapiche, para ser então despejado no Guaíba. A região ficou conhecida com o nome de Lomba do Asseio, que assim como o cheiro dos cabungos, ainda está presente na memória de muitos moradores da cidade, como nosso interlocutor, Sr. Marco Antônio, morador do antigo Areal da Baronesa:

http://habitantesdoarroio.blogspot.com/2009/06/rede-de-saneamento-e-rede-de-memorias.html

Como atesta o artigo de Elmar Bones, no Jornal Já, a área permaneceu pública, “propriedade do Estado do Rio Grande do Sul em 1944, quando foi devolvida ao município de Porto Alegre e, seis anos depois, concedida pela prefeitura à empresa Só & Cia, então a mais tradicional ferraria e fundição da cidade que pretendia construir um estaleiro no local. Inaugurado em 1952, o Estaleiro Só, tornou-se uma das maiores empresas do Rio Grande do Sul. Tinha 1.200 empregados em 1967, quando a Câmara Municipal votou a lei 3.076 autorizando o resgate do terreno, isto é, a transferência definitiva da sua propriedade para o Estaleiro Só... Mas a mudança não foi efetivada na época. Pouco depois, em dificuldades, o Estaleiro Só foi vendido para a Empresa Brasileira de Indústria Naval (Ebin), do Rio de Janeiro, com o aval do governo federal. Só nove anos depois, em 1976, foi assinada, pelo então prefeito Guilherme Socias Vilella, a “escritura pública de remissão de foro”, ou seja, a transferência efetiva da propriedade do terreno para a empresa.”

http://www.jornalja.com.br/2009/04/30/pontal-do-estaleiro-na-origem-uma-area-publica-2/

O Estaleiro Só, estabelecendo então conexões com a indústrial naval no país, teve um grande crescimento, que entra em declínio a partir da década de 90, quando diminuem os interesses no setor em Porto Alegre. Com a empresa falida em 1995, o terreno foi levado à leilão em 1999, sendo comprado por um grupo de empresas por R$ 7,2 milhões, mas permanecia ainda com seus usos definidos por lei, impedindo atividades residenciais, comerciais e de serviço. Em 2002, foi aprovada a Lei Complementar nº 470, que definiu os padrões de construção permitidos no local, autorizando a construção de empreendimentos comerciais.

Enquanto isso, toda essa região passava por grandes transformações, como a remoção da conhecida “Vila Cai-Cai” e a construção de um hipermercado em seu lugar, a canalização do Arroio Sanga da Morte, a construção do Museu Iberê Camargo, a construção de um Shopping Center, a duplicação da Avenida Diário de Notícias e a remoção de novas habitações populares. Com todos estes investimentos, o terreno na orla do Guaíba, uma área que por lei é de interesse público, cedida ao grupo de empresas por 7,2 milhões em 1999, já se encontrava valorizada em R$ 150 milhões em 2006. E agora, com o grande aumento da circulação de pessoas na região, a Ponta do Melo é tudo, menos abandonada. A aparente ruína é, na verdade, uma área de grande beleza natural, tomada por vegetação que é importante para a manutenção da dinâmica hídrica da orla, para a circulação dos ventos, e que certamente não comporta o aumento de esgoto doméstico que o empreendimento causaria. Por outro lado, é um lugar ideal para a construção de um parque ou uma área pública de lazer, dando continuidade aos usos da orla que ocorrem no Parque Marinha do Brasil e na orla que segue a Av. Guaíba.

Pouca gente sabe que o Parque Marinha do Brasil se encontra num aterro que foi realizado, originalmente, para construção de empreendimentos residenciais. O aterro da Praia de Belas, antiga forma que a baía da cidade possuía, era mais uma jogada do mercado imobiliário, na década de 1960. Felizmente, o empreendimento não despertou interesse de mercado, pois havia ainda receio de uso residencial do imenso aterro. A área acabou sendo destinada para uso público, em lei promulgada em 1967, sendo hoje, um dos parques mais importantes da capital.

A área da Ponta do Melo parece, no entanto, seguir outros caminhos nos embates legais. Em 7 de junho de 2006, o Jornal do Comércio, de Porto Alegre, já noticiava o seguinte:
“- As pretensões do empreendedor só serão viabilizadas, com a alteração da lei complementar n.º 470, de 2002, que, entre outras coisas, veda a construção de prédios residenciais naquele trecho da orla do Guaíba. O diretor-presidente da SVB Participações, Saul Veras Boff, o diretor do grupo Maggi, Fischel Baril e o arquiteto Jorge Debiagi já apresentaram, em maio, ao prefeito José Fogaça, um esboço do projeto. O passo seguinte será convencer os vereadores de Porto Alegre a alterar a lei.”
http://www.ecoagencia.com.br/?open=artigo&id===AUVZ0cWtGZXJlVaVXTWJVU

Em 2009, a alteração foi votada e aprovada pela câmera de vereadores, mas devido à forma como foi votada, e com a grande manifestação de descontentamento de entidades profissionais, associações ambientalistas e da população em geral, o Prefeito José Fogaça vetou a alteração, abrindo para consulta popular a decisão de aprovar ou não atividade residencial neste espaço da orla do Guaíba.
Sobre esse processo, ver a matéria no Jornal Já: http://www.jornalja.com.br/2009/04/29/pontal-do-estaleiro-uma-lei-sob-medida-1/

Se podemos tirar algum proveito dessa história toda, é, pelo menos, o fato de que essa se tornou uma questão pública para a capital, tendo gerada toda uma comunidade ética, voltada para o debate do assunto.

Dia 23, a votação responde à pergunta, um tanto quanto estranha:

“Além da atividade comercial já autorizada pela Lei Complementar nº 470, de 02 de janeiro de 2002, devem também ser permitidas edificações destinadas à atividade residencial na área da Orla do Guaíba onde se localiza o antigo Estaleiro Só?”

As respostas disponíveis:
1 – ( ) NÃO
2 – ( ) SIM

Confira seu local de votação, das 9h às 17h:

http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/cs/usu_doc/local_de_vota_por_zona.pdf


Rafael Victorino Devos
bolsista do projeto "Habitantes do Arroio"

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

A bacia virtual do Dilúvio na web


Além dos vídeos do blog do Habitantes do Arroio, é possível encontrar muitas outras narrativas sobre o assunto que convergem na internet para temáticas semelhantes, em sites como o google video e o youtube. Compartilhamos aqui alguns vídeos presentes na internet que apresentam pontos de vista diferenciados sobre o Dilúvio. São trabalhos de escolas, protestos bem humorados, flagrantes de acidentes, reportagens, documentários e outras imagens ligadas à bacia do arroio no meio virtual:



Acidente Arroio Dilúvio Porto Alegre - carro sofre batida e cai no arroio dilúvio !!!



Trabalho sobre a poluição no Arroio Dilúvio. Colégio Protásio Alves, turma 320, ano de 2008. Porto Alegre, RS.



Deu merda em Porto Alegre. Arroio Dilúvio, 8/7/07.



Resgate de cão realizado pelo Corpo de Bombeiros em Porto Alegre (Jornal Zero Hora)



Larissa Pedroso - TV Foca PUCRS - Arrorio Dilúvio -06/06/08



Diluxo. Apresenta moradores das pontes do Arroio, focando a degradação ambiental-urbana e a marginalização social. Dirigido por Guilherme Carlin e Cassiano Griesang foi vencedor das categorias "Melhor Vídeo Universitário" e "Melhor Vídeo Social" do XII Gramado CineVideo.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Rede de Interceptores do Arroio Dilúvio


Produzimos este vídeo quando retornamos ao local a que se refere a bolsista do projeto Renata Ribeiro, onde as obras estão ocorrendo:

Logo na entrada da rua, avistei à beira do arroio, um cavalete com uma placa branca onde estava escrito DMAE em azul, sinalizando a obra que estava em andamento. Vi também tratores e homens trabalhando os quais fotografei – em seguida aproximei-me de uma mulher bem vestida que se encontrava ali, também observando a obra. Saudei-a com um bom dia, apresentando-me. Falei-lhe sobre o nosso Projeto e que estava interessada em saber que obra era aquela. Muito simpática e receptiva, cumprimentou-me dizendo chamar-se Gislene – Arqueóloga, professora da PUC (Pontifícia Universidade Católica) e da ULBRA (Universidade Luterana do Brasil). Professora Gislene contou-me que aquela obra estava sendo realizada por uma empresa terceirizada do DMAE, a “Pontual Engenharia”, consistindo no Projeto de Redes de Interceptores do Arroio Dilúvio. Ou seja, futuramente os esgotos não desaguarão mais dentro arroio, seguirão por encanamentos para a Estação de Bombeamento Baronesa do Gravataí, conectada à Estação de Bombeamento da Ponta da Cadeia (Gasômetro), sendo que – de acordo com o Projeto Integrado Socioambiental – somente no bairro Serraria o esgoto receberá o tratamento completo. Trecho do diário de campo referente ao dia 03/06/2009 da bolsista Renata Ribeiro. Link da página com a postagem do referido diário: http://habitantesdoarroio.blogspot.com/2009/06/avenida-ipiranga-rua-1um-e-o-arroio.html

Os esgotos cloacais (esgoto doméstico) e pluviais (água das chuvas) de Porto Alegre seguem atualmente em direção ao lago Guaíba, seguindo o curso do Arroio Dilúvio bem como através de outros arroios menores. A separação do esgoto doméstico, correndo em uma rede coletora separada das águas que são visíveis no Dilúvio, ainda não foi implementada em toda a bacia do arroio. Em virtude da grande contaminação dessas águas foi iniciado o Projeto Socioambiental que tem como principal objetivo reduzir o volume de coliformes lançados no Lago Guaíba desde a foz do Arroio Dilúvio até a Zona Sul da cidade, inserindo 4,3 quilômetros de interceptores e coletores de esgoto.

No Bairro Agronomia estão sendo instalados interceptores de esgoto na Região do Beco dos Marianos – Comunidade da CEEE - que beneficiarão indiretamente toda a Capital Gaúcha e diretamente a população que reside na Vila Herdeiros, Lomba do Pinheiro e no trecho da Avenida Bento Gonçalves que passa pelo Campus do Vale – UFRGS.

Este projeto beneficiará bastante o Bairro Agronomia com implantação de interceptores na bacia do Arroio Dilúvio e com a construção de redes coletoras do tipo separador absoluto e coletores-tronco. Assim, o esgoto cloacal não seguirá mais junto ao esgoto pluvial através do arroio até o Lago Guaíba, pois serão instalados ao longo do Dilúvio, os encanamentos que receberão somente o esgoto cloacal.

Da Vila Herdeiros, na fronteira com Viamão, passando pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul no Campus do Vale, seguindo a Rua 1, cruzando o Beco dos Marianos e finalmente percorrendo a margem direita da Avenida Ipiranga, até encontrar novos coletores. Nesse percurso, nessas imagens, revelam-se conexões entre diferentes pontos da cidade, interligados pelas águas do Arroio Dilúvio, pela água da chuva, e agora, por uma rede subterrânea de encanamentos que é visível atravessando o Dilúvio ao lado de algumas pontes.


Equipe do Projeto Habitantes do Arroio junto a trabalhadores de saneamento. Autor: Renata Ribeiro.

Caso as obras deste projeto sejam bem sucedidas, futuramente estes esgotos deverão seguir separados, em direção à Estação de Bombeamento Baronesa do Gravataí, conectada à Estação de Bombeamento da Ponta da Cadeia (Gasômetro) para então receberem um prévio tratamento: o esgoto cloacal irá por meio de encanamentos e o pluvial junto ao arroio. Após essa primeira parte do processo de limpeza, essas águas serão lançadas ao Lago Guaíba e por meio de um emissário subaquático chegarão ao Bairro Serraria na Zona Sul da cidade, para receberem o tratamento final e completo.

Referências

segunda-feira, 27 de julho de 2009

A Paisagem Urbana do Arroio



A paisagem do Arroio Dilúvio não é apenas um elemento “natural” da morfologia dos morros e vales de Porto Alegre. O arroio não é, tampouco, um canal artificial irremediavelmente degradado pela vida urbana. Sua paisagem possui muitas camadas de sentido, é possível conhecê-la de muitas maneiras, dependendo do olhar que lhe dirigimos, dos gestos que praticamos às suas margens, da escuta que lhe dedicamos, de como percebemos sua presença em nosso cotidiano.
Por isso mesmo, a pesquisa do Projeto Habitantes do Arroio tem adotado diferentes estratégias de investigação, utilizando a própria produção de imagens sobre a Avenida Ipiranga, as águas, as pontes, os animais, como uma forma de perceber diferentes composições de tantos elementos heterogêneos. Inspiramo-nos no conceito de Georg Simmel sobre a paisagem: a paisagem é uma forma construída em meio à vida social, elegemos um conjunto de elementos que percebemos no mundo, e os ordenamos segundo determinadas ordens, arranjos, incluindo ou retirando, destacando ou escamoteando o esgoto, a água, as árvores, o trânsito, os pedestres, a grama, os canos, na hora de compor um quadro. E a partir desta composição elaborada, agimos no mundo, praticamos a ordem negociada das coisas. Aquilo que o Arroio Dilúvio pode se tornar na paisagem urbana de Porto Alegre depende da nossa capacidade de imaginar, negociar e praticar novos arranjos.

“… o animal também não deixa de superar distâncias, e sempre do modo mais hábil e mais complexo, mas ele não faz ligação entre o começo e o fim do percurso, ele não opera o milagre do caminho… É com a construção da ponte que esta prestação atinge o seu ponto máximo. Aqui parecem se opor à vontade humana de juntar espaços não só a resistência passiva da exterioridade espacial mas a resistência ativa de uma configuração particular. Superado o obstáculo, a ponte simboliza a extensão da nossa esfera volitiva no espaço. Para nós, e só para nós, as margens do rio não são apenas exteriores uma à outra, mas ‘separada’; e a noção de separação estaria despojada de sentido se não houvéssemos começado por uni-las, nos nossos pensamentos finalizados, nas nossas necessidades, na nossa imaginação.”
Georg Simmel: “A Ponte e a Porta”, in REVISTA POLÍTICA & TRABALHO, João Pessoa, n°12, 1996. p. 10 a 14. Disponível online em:
http://www.cchla.ufpb.br/ppgs/politica/index12.html

Aqui no blog é possível encontrar diferentes composições, expressas nas lembranças de antigos moradores, nos projetos de técnicos, nos impasses de diferentes realidades dos bairros da cidade. Mas também ensaiamos, a partir da captação de imagens nas margens do arroio, e na montagem de pequenas seqüências de imagens, esses olhares e escutas da paisagem: de dentro do arroio, a partir da avenida, em meio aos cruzamentos, do topo de edifícios, sobre as
pontes, de baixo das pontes, a pé, de carroça, de carro, de barco. O ritmo das imagens (cortes, movimentos) evoca diferentes usos (contemplação, esgoto, lazer, trabalho). Os caminhos e as correntezas das águas e do trânsito que convergem na Avenida Ipiranga, na sua paisagem sonora.


Envie para o blog do Habitantes do Arroio algumas composições (em foto, vídeo, texto, desenho, som) que gostaria de compartilhar. Envie um email para habitantesdoarroio.leitor@blogger.com e faça circular as suas imagens.

domingo, 26 de julho de 2009

A Comunidade "CEEE"

Bolsista Renata Ribeiro

Como e quando ocorreu a ocupação e urbanização do Morro Santana? De que forma surgiu a comunidade que ocupa este espaço? O sentimento de pertença dos moradores desta comunidade é latente? Estas e outras questões me guiaram durante o desenvolvimento desta saída a campo. Por meio delas tento resgatar parte dos fragmentos da memória ambiental deste espaço referente à região do Beco dos Marianos.


Mapa da região do Beco dos Marianos - Desenho: Renata Ribeiro

Diário de campo - 01/07/2009


Em virtude dos riscos existentes na região do Beco dos Marianos e da necessidade de ir mais adiante, em minhas saídas a campo, pedi a um amigo que me acompanhasse. Muito bem disposto aceitou meu convite e juntos fomos em direção ao local de pesquisa. Com a câmera fotográfica em mãos, logo comecei a registrar as imagens do arroio, bem como da Rua 1 (Um) e das pessoas que por ali passavam. Em seguida, decidimos continuar a caminhada, subindo a Rua Beco dos Marianos até a entrada do Acesso Heitor Pereira da Silva localizada em uma região alta em relação ao Arroio, na subida do Morro Santana.

Durante todo o trajeto observamos vários níveis na altitude do relevo, de forma que do local onde nos encontrávamos, as várias paisagens apareciam como se estivessem sobrepostas umas às outras. O local, que é uma espécie de beco é todo de chão batido, boa parte repleta de barro. Assim como no restante da região do Beco dos Marianos é possível perceber que no Acesso Heitor Pereira, as casas também levam dois números: um para o DMAE e outro para a CEEE. No entanto, ao contrário do restante da região, o acesso é predominantemente preenchido com casas de madeira bastante precárias, algumas mistas (madeira e alvenaria) e poucas somente de alvenaria, estas mais bem estruturadas, as primeiras do acesso em relação à Rua Beco dos Marianos.

Acesso Heitor Pereira da Silva, Bairro Agronomia. Autor: Renata Ribeiro.

Ao longo do trajeto vai surgindo uma maior variação de estilos de casa, sendo que no fim do acesso pude observar que elas são bastante precárias. As que encontrei no final do acesso não respeitam simetria alguma, foram construídas com diferentes pedaços de madeira, são pequeninas e encontram-se cortadas por uma água que corre de cima do morro, provavelmente oriunda de alguma nascente lá no alto, desaguando no Arroio Dilúvio, à altura da Rua 1 (Um), onde estão sendo instalados os interceptores. Outras casas conseguem ser ainda mais inferiores, cercadas de muito lixo e tendo como teto simples lonas de plástico. São construções extremamente frágeis, impossível não sofrerem com apenas uma chuva leve. Contudo, certamente essas moradias representam ainda proteção e amparo aos que ali construíram o seu espaço.

Casebre no Acesso Heitor Pereira da Silva, Bairro Agronomia. Autor Renata Ribeiro.

Já na Rua Beco dos Marianos, meu amigo e eu decidimos subir em direção ao Centro Comunitário da Vila Grécia – uma associação de moradores – para tentar contato com a presidente, Dona Ivone. Antes que chegássemos ao local, um rapaz nos abordou, perguntando sobre o que eu estava fotografando. Apresentei-me e expliquei-lhe o que eu estava fazendo naquela região. Perguntei seu nome e se era morador dali. Anderson, como disse chamar-se, falou-me que tinha nascido naquele local, que residia na Rua Grécia, número 41 e que tinha 21 anos de idade. Durante a conversa perguntei como a comunidade daquela região se denominava. Se eles se consideravam pertencentes à comunidade Beco dos Marianos e se esta de fato existe. Anderson explicou-me que os moradores chamam aquele local de “CEEE”, em função da existência da companhia elétrica naquele local. Contou-me ainda que o Bairro Agronomia está dividido em duas partes: a “CEEE” , referente ao local onde nos encontrávamos e a Tamanca, que é justamente a região onde se encontra a UFRGS. Fiquei bastante surpresa e novamente, indaguei perguntando qual das ruas é considerada a principal pelos residentes da “CEEE”. Disse-me que a principal é a Rua Atenas e que ela é considerada a mais importante não somente pelos moradores, mas por todos. Se tu pedir para o cobrador te avisar qual é a parada da Atenas, ele vai saber. Agora se tu perguntar por qualquer outra rua daqui, ele não vai saber – disse-me. Fiquei muito surpresa, pois acreditava que a principal era a Beco dos Marianos. Durante o conversa perguntei a Anderson, de que forma ele via a obra que estava sendo realizada pelo DMAE, qual era a importância da instalação dos interceptores para ele. Respondeu-me que os interceptores eram muito importantes, pois acreditava que terminariam com a poluição do arroio. Contou-me que alguns moradores da comunidade têm o costume de jogar coisas dentro do arroio. As pessoas não querem mais e atiram lá – disse-me. Despedi-me de Anderson e seguimos caminho em direção à associação bastante próxima daquele local onde nos encontrávamos.

Morro Santana, Bairro Agronomia. Autor Renata Ribeiro.

Chegando ao Centro Comunitário da Vila Grécia fomos em direção a um grupo de meninos que ali estavam. Cumprimentei-os e me apresentei falando-lhes que gostaria de encontrar a Dona Ivone a presidente da associação. Disseram-me que ela não se encontrava no local. Agradeci, dei tchau e segui fotografando um jogo de futebol que acontecia no pátio da associação.

Ainda dentro da associação encontrei um homem de meia idade, sentado perto de um cavalo em frente à sede do centro comunitário. Dirige-me até ele, saudei-o, explicando sobre o nosso projeto. Muito receptivo, falou estar disposto a ajudar no que estivesse ao seu alcance. Disse chamar-se Joyne que residia na Rua Beco dos Marianos, número 575 e que era funcionário publico estadual da Secretária da Segurança. Contou-me ser morador da região desde que nasceu há 53 anos. Recordou-se do tempo em que naquelas redondezas só havia a casa de sua mãe (que ainda é viva), mais umas duas outras ou três – o resto era mato – disse. Falou-me das ocupações cujo auge foi nos anos 70, com a construção da subestação da CEEE. Contou que as primeiras pessoas a se instalarem ali na região foram retiradas por oficiais de justiça a mando da prefeitura, mas não demorou muito para a área ser novamente ocupada. Joyne falou-me também que a sede da associação, que é um galpão, pertencia a CEEE, mais precisamente a topografia. Em seguida, ele apontou para onde estávamos sentados, dizendo que aquilo era um equipamento para elevar os carros da companhia elétrica, durante a troca de óleo.

Ao falar de suas lembranças referentes àquele espaço, o Sr. Joyne resgatou memórias de um tempo subjetivo sobre o local, trazendo-as para o tempo do mundo. No entanto essas recordações resgatadas por ele, hoje representam apenas fragmentos de um passado mais ou menos distante, não sendo mais possível trazê-las para o tempo do mundo de forma fiel e integral. Assim, um dos meus principais objetivos dentro desta comunidade é justamente buscar reunir estes fragmentos de recordações revividos pelo Sr. Joyne, bem como as de outros moradores daquele espaço. Afinal, é justamente por meio do resgate destes fragmentos que será possível parte da reconstituição da memória ambiental do Arroio Dilúvio dentro daquele espaço.

ARROIO DILÚVIO - Mapa dos locais pesquisados em Porto Alegre - clique nos ícones para ver


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