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quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Do outro lado da Ponte de Pedra

A Ponte de Pedra, o Pão dos Pobres e o Riacho.
Fonte: Museu Municipal Joaquim José Felizardo.
Autor e data desconhecidos

Quem contempla a atual Ponte de Pedra, na Praça dos Açorianos, pode imaginar o antigo braço do Riacho que conduzia as águas do Dilúvio até o Lago/Rio Guaíba (que naquela época era muito mais rio do que lago). Mas a dúvida sempre fica sobre o que havia no outro lado da ponte, já que na margem do centro existia a famosa Praia do Riacho, que já descrevemos em outra postagem:

http://habitantesdoarroio.blogspot.com/2009/02/as-paragens-do-riacho.html




Nesta entrevista que apresentamos aqui, Célia Souza Machado nos conta suas lembranças da infância, quando ajudava o pai a vender ca
rvão na ponte de pedra, em meados dos anos 1940/1950. Essa entrevista foi gravada no contexto de produção do documentário Arqueologias Urbanas: Memórias do Mundo, que foi financiado pelo FUMPROARTE em 1997, tendo sido dirigido por Ana Luiza Carvalho da Rocha e Maria Henriqueta Creydi Satt. O documentário investiga a memória da cidade de Porto Alegre a partir das trajetórias e estórias de trabalhadores do Mercado Público e seu entorno. Célia conta no documentário suas memórias das águas, tendo sido esposa de marinheiro e tendo trabalhado nos bares e restaurantes da região do Mercado e do Cais do Porto que atendiam a esta população embarcada. Mas sua memória começa justamente embarcada nas águas do riacho, que aparece como um caminho possível para os portoalegrenses surgidos de outras paragens, como a família de Célia, oriunda da região das Charqueadas, no RS.

No relato de Célia se confirma uma imagem diferente da atual paisagem da cidade. Os usos da ponte e do riacho que corria sob ela davam a essa região um ar de “fundos” da cidade, em relação a sua área comercial em torno do Cais e do Mercado Público. A cidade parecia acabar ali, exatamente onde se expressava a separação entre a Cidade Alta (os casarões da Av. Duque de Caxias) e a Cidade Baixa com suas moradas populares. Uma relação que se alterou com os aterros, a construção da Av. Borges de Medeiros e o avanço da cidade em direção à Zona Sul. As imagens que compõe a crônica foram produzidas igualmente para o documentário Memórias do Mundo, que pode ser encontrado no Banco de Imagens e Efeitos Visuais (BIEV) junto ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da UFRGS: www.biev.ufrgs.br

Arqueologias Urbanas - Memórias do Mundo
Direção: Ana Luiza Carvalho da Rocha e Maria Henriqueta Creydi Satt
Direção de Fotografia: Sadi Breda
Financiamento: FUMPROARTE - 1997


quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Apresentação do Projeto Habitantes do Arroio


Confira a agenda de apresentações do Projeto Habitantes do Arroio:

. Feira de Iniciação Científica - UFRGS
Dia 20/10/2009
das 14hs às 18hs
Reitoria da UFRGS - (Av. Paulo Gama 110 - Porto Alegre)
entrada livre

. Memória da Águas - Mostra de vídeos do projeto "Habitantes do Arroio" no Museu Hipólito da Costa
Dia 20/10/2009
das 18hs às 20hs
Auditório do Museu de Comunicação Hipólito da Costa
Rua dos Andradas, 959
entrada livre

compareça!

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

O caso do Beco dos Marianos

Segue abaixo uma síntese da pesquisa de campo que está sendo realizada pela bolsista de Iniciação Tecnológica Industrial Renata Ribeiro, na região da Rua Beco dos Marianos, localizada no Morro Santana e que contempla parte de uma das ações do “Projeto Habitantes do Arroio”, financiado pelo CNPq. Esta pesquisa será apresentada na Feira de Iniciação Científica da UFRGS, a realizar-se no dia 20 de outubro de 2009, na Reitoria da UFRGS, Campus Central, Paulo Gama nº110, das 13 às 18hs. Contamos com a sua presença.

O Projeto Habitantes do Arroio vem sendo realizado desde janeiro de 2009, e tem como principais objetivos disseminar entre grupos urbanos e instituições locais, informações técnicas e científicas a respeito dos recursos hídricos, da bacia hidrográfica do Lago Guaíba e da microbacia do Arroio Dilúvio, a partir da construção de narrativas audiovisuais (que são postados no blog do projeto), referentes aos desafios e aos impactos ambientais, econômicos e sociais implicados na destinação adequada e no tratamento de esgotos.
Rua João Alfredo (antiga Rua da Margem). Autor: Luna Carvalho.

Memórias do antgo riacho na Cidade Baixa:

Com a finalidade de fazer uma primeira aproximação com objeto da pesquisa, iniciei as minhas saídas a campo, no dia 24/04/2009, na região da Cidade Baixa, local onde Luna, minha colega, desenvolve seu estudo. Durante a etnografia de rua procurei descobrir os vários lugares por onde outrora corriam as águas do riacho (o dilúvio antes das obras) – rememorando o seu percurso. Constatei que aquela região guarda muitos causos referentes às enchentes, à cultura carnavalesca e quilombola da cidade, uma importante contribuição para a reconstrução da memória ambiental daquela região e de Porto Alegre.

Rua Beco dos Marianos vista do alto do Morro Snatana. Autor: Renata Ribeiro.

A Comunidade “CEEE”:
http://habitantesdoarroio.blogspot.com/2009/07/comunidade-da-ceee_6311.html

Familiarizada com esta área onde antigamente passava o arroio Dilúvio, iniciei meu trabalho de campo no extremo oposto, ou seja, na região do Beco dos Marianos, localizada no Morro Santana, dividido pelos Bairros Jardim Carvalho e Agronomia. Minhas primeiras saídas a campo foram guiadas pelo intuito de descobrir a forma com que os moradores daquela região do Morro Santana se autodenominavam: sentiam-se realmente moradores do Beco dos Marianos? Ou para eles esta era apenas uma rua, como outra qualquer, no mapa da cidade.

Durante este estudo, procurei resgatar, por meio dos relatos dos moradores desta localidade, fragmentos de suas memórias que pudessem elucidar as seguintes questões: Como e quando ocorreu a ocupação e urbanização do Morro Santana? De que forma surgiu a comunidade que ocupa este espaço? O sentimento de pertença dos moradores desta comunidade é latente? Além de buscar as respostas para estas e outras perguntas, tenho buscado compreender a diversidade sócio-cultural relativa à combinação entre o rural e o urbano neste espaço.

Ao longo de minha etnografia conheci Anderson, um jovem bastante pobre, de 21 anos de idade – antigo morador do Morro Santana. Este rapaz é quem, no primeiro momento, elucida minha etnografia, pois me fez saber que a região do Beco dos Marianos é denominada de “CEEE” pelos moradores, em virtude da existência de uma subestação da companhia elétrica, no alto do Morro Santana. Além disso, também contou que a rua considerada a mais importante, pelos moradores daquela região, é a Atenas e não a Beco dos Marianos, como nós pesquisadores pensávamos. Se tu pedir para o cobrador te avisar qual é a parada da Atenas, ele vai saber. Agora se tu perguntar por qualquer outra rua daqui, ele não vai saber – disse-me. Anderson também falou do porquê, na visão dele, de tanto lixo no arroio. As pessoas não querem mais e atiram lá.

Na medida em que me familiarizava com aquele espaço denominado “CEEE”, eu ia me sentindo mais segura para subir o extenso aclive da Rua Beco dos Marianos. Na primeira ocasião em que estive no alto do morro, tive a feliz oportunidade de conhecer o Sr. Joyne, um homem de 53 anos de idade, de origem alemã e polonesa, residente no Morro Santana desde que nasceu.

Este homem foi quem me falou sobre ocupação daquele local cujo auge foi nos anos 70, com a construção da subestação da CEEE. As primeiras pessoas foram retiradas por oficiais de justiça, disse-me. Além disso, também me falou da relação perturbada que a comunidade mantém com o DMAE, em função dos vazamentos de água que não são prontamente estancados.

Tendo em vista as suas interessantes colocações e a boa aproximação que obtive com este senhor, a equipe do projeto decidiu realizar uma entrevista com ele. Para que esta fosse bem sucedida e para que todos da equipe estivessem a par de tudo, desenvolvi um roteiro, bem como um mapa para nos situarmos melhor no local.

Meu objetivo nesta entrevista era trazer para o tempo do mundo fragmentos de suas lembranças referentes ao Morro Santana e ao seu processo de ocupação, bem como da memória ambiental daquele espaço. Para que isso acontecesse de forma natural foi necessário que o provocássemos a expor a sua singular trajetória social e seus itinerários urbanos. Para que, por meio de sua história de vida, tivéssemos a oportunidade de conhecer e compreender muitas coisas relacionadas ao Arroio Dilúvio.

Em outra oportunidade de saída a campo, ao chegar ao pé do Morro Santana, deparei-me com o desenvolvimento de uma obra realizada pelo DMAE na Rua 1 (Um). Ao descobrir a importância desta e ao ouvir os relatos dos trabalhadores, a equipe do projeto decidiu realizar uma filmagem com eles. Esta gravação nos rendeu uma crônica (narrativa audiovisual), com relatos de pessoas que conheciam uma outra cidade: a Porto Alegre subterrânea.

Obras de Instalação de Interceptores na Rua 1 (Um), Bairro Agronomia. Autor: Renata Ribeiro.

Rede de Interceptores do Arroio Dilúvio:
http://habitantesdoarroio.blogspot.com/2009/08/produzimos-este-video-quando-retornamos.html

Ao realizar minha etnografia de rua, por diversas vezes deparei-me com informantes que presenciaram os mesmos acontecimentos; contudo, eles relembraram partes diferentes destes, possivelmente aquilo que mais lhes marcou individualmente. Justamente por isso procurei resgatar, de cada um deles, fragmentos de suas lembranças, instigando-os a pontuarem suas recordações do tempo subjetivo no tempo do mundo. Para que depois eu pudesse unir essas partes e então localizar “as raízes do presente, em solo do passado”.

Foi-me possível perceber que aquela comunidade alimenta costumes rurais, como: a criação de cavalos, galinhas, gansos e o cultivo de pequenas hortas. Por meio de alguns relatos constatei inclusive que alguns nativos da comunidade “CEEE” vieram da zona rural, para o Morro Santana, em busca de oportunidades para uma vida melhor.

Criança e animais em meio a Rua Beco dos Marianos. Autor: Renata Ribeiro.

Como as aprendizagens das tecnologias perpassam a minha etnografia?

Concomitantemente ao desenvolvimento deste trabalho de pesquisa, eu e a equipe do projeto produzimos, por meio do tratamento documental dos dados recolhidos em campo (fotografia e vídeo), narrativas audiovisuais, crônicas, que foram postadas no blog, onde também há nossos diários de campo e as primeiras conclusões quanto à pesquisa.

O processo de construção destas crônicas iniciou-se pela filmagem previamente roteirizada. Por meio de um programa instalado nos computadores do BIEV e do Instituto Anthropos, a equipe do projeto dividiu as filmagens em episódios que passaram por um processo de catalogação, onde receberam nomes e comentários técnicos quanto à imagem e som. Em seguida, escolhemos e marcamos em cada episódio, os momentos mais importantes. Depois de todo este processo tecnológico de construção das narrativas audiovisuais, a equipe do Projeto Habitantes do Arroio postou estas crônicas, junto a diários de campo e prévias conclusões da pesquisa, no blog do projeto, com o intuito de possibilitar a interatividade entre o pesquisador, o pesquisado e todos aqueles que estejam dispostos a contribuir com seus relatos e críticas, bem como aos que estão em busca de conhecimento a respeito do Arroio Dilúvio.

Quanto a minha etnografia, as conclusões mais recentes postadas no Blog são as seguintes: a região da Rua Beco dos Marianos, no Morro Santana, dividida pelos bairros Agronomia e Jardim Carvalho esconde uma parte da Avenida Ipiranga menos urbanizada e pavimentada, denominada Rua 1 (Um), além de outras pequenas travessas, becos e ruas, que juntas formam a Comunidade “CEEE”.

Este é o espaço que tenho estudado e tentado compreender, cuja ocupação tumultuada teve seu início na década de 70. Hoje os residentes deste local consideram-se pertencentes à “CEEE”. Averigüei também que uma parcela significativa deles veio da zona rural do Estado em busca de novas oportunidades. Em virtude disso o estilo de vida predominante neste espaço pode-se dizer que é formado por uma combinação de costumes rurais e urbanos. Além disso, segundo meus informantes residentes mais antigos do Morro Santana, quando chegaram ali, o arroio já se encontrava poluído. Contudo, ainda era possível pescar.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Para onde vai o esgoto da sua casa?


Fizemos esta saída de campo com a equipe do Programa “Esgoto Certo” do Departamento Municipal de Água e Esgotos – DMAE – da Prefeitura de Porto Alegre. O Engenheiro Alessandro, o técnico Clovis e sua equipe apresentam os desafios cotidianos do programa que percorre as ruas da cidade, investigando as conexões entre residências, galerias pluviais, redes de esgoto cloacal, “puxadinhos”, “arremates”, ligações e entupimentos da dinâmica hídrica subterrânea da cidade.


Entendendo o esgoto “certo”

Esgoto pluvial – é a rede de galerias, encanamentos, e arroios (canalizados ou não) que escoam a água da chuva, que contribuem para a boa irrigação do solo, evitando alagamentos, erosão, etc. Ligam-se à residência para escoar a água recolhida nas calhas, nos bueiros, escoadouros, nos gramados, etc.

Esgoto cloacal – é a rede de galerias, encanamentos, que têm a função de levar o esgoto doméstico (das pias, dos vasos sanitários, do ralo do chuveiro) para um sistema de tratamento. Atualmente, o esgoto doméstico que corre ao lado do Dilúvio, na rede cloacal, apesar de ser separado do esgoto pluvial, ainda é lançado no Lago Guaíba, mesmo passando por um primeiro tratamento. Com os novos projetos que envolvem o Programa Socioambiental, o esgoto doméstico será levado até as estações de tratamento na Zona Sul da cidade.
(para mais detalhes, veja a postagem no blog sobre o programa Socioambiental)


Certo e errado na cidadania ambiental

Embora o diagnóstico necessário do esgoto “certo” ou “errado” seja importante do ponto de vista técnico, ele se desdobra em outro procedimento do ponto de vista dos usos cotidianos da água. É a confusão entre os diferentes “saneamentos” em jogo que abre espaço para o entendimento da realidade do ponto de vista socioambiental. Não é uma questão moral que está em jogo na destinação correta dos esgotos (certo ou errado), mas sim uma adesão a uma ética de cidadania ambiental. Do ponto de vista do morador, o esgoto poderia ser simplesmente a água “servida” que ele precisa enviar para fora do seu espaço doméstico. Nossa cultura ocidental elaborou, em um longo processo civilizatório, tecnologias como o próprio sistema de saneamento para retirar da paisagem urbana, remover das preocupações cotidianas, a sujeira. Quem gosta de pensar em sujeira? Quem conversa sobre ela?

A separação entre pluvial e doméstico já diz respeito à compreensão de um sistema de saneamento que pensa os esgotos não mais “fora” do espaço habitado, mas dentro do seu espaço, e de forma constante no tempo – na confluência dos muitos encanamentos que partem de realidades diversas, e que geram, no seu conjunto, um impacto significativo, diário. No espaço público, é responsabilidade dos órgãos governamentais a manutenção (e muitas vezes a instalação) deste sistema. Mas este não é um sistema independente das práticas cotidianas. No espaço doméstico, a responsabilidade de ligar seu saneamento “interno” (os banheiros, os encanamentos, as calhas, etc) a este sistema é do proprietário do imóvel – o que nem sempre condiz com o real usuário da água nesta propriedade (morador que aluga o imóvel, usos comerciais, serviços, etc), nem mesmo com as pessoas encarregadas dos reparos e novas construções no terreno, que muitas vezes modificam ou ampliam as redes internas de saneamento. A compreensão da lógica deste sistema não é o resultado de uma explicação, mas da negociação entre o morador/usuário e os técnicos do Esgoto Certo, que muitas vezes são chamados pelos próprios moradores para resolver problemas de obstrução dos encanamentos, vazamentos, etc. Embora sejam importantes os recursos tecnológicos (os corantes, a microcamera) na descoberta da destinação da água do vaso sanitário, é o contato entre o técnico e o morador que acaba transpondo alguns conceitos de saneamento em um processo de negociação da realidade, em que esses novos limites e caminhos das águas subterrâneas passam a ser imaginados, novas fronteiras entre o espaço público (a rua) e o espaço habitado (a casa), podem ser elaboradas na confluência das águas.

Evidentemente, há casos em que esse diálogo não é possível. Quando esse diálogo não dá resultado, já é outro o dispositivo necessário, o dispositivo legal – multas, processos, etc. E há casos em que nem mesmo é possível o esgoto “certo” – na ausência de infra-estrutura sanitária, como fazer a inclusão do morador em um processo de direitos e responsabilidades, na ética ambiental?

Rafael Devos

ARROIO DILÚVIO - Mapa dos locais pesquisados em Porto Alegre - clique nos ícones para ver


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